Celso Alonso
Igo Estrela/Metrópoles
A possibilidade de que generais e um almirante das Forças Armadas cumpram pena em presídios comuns reacendeu o debate sobre os limites das decisões judiciais e os riscos de excessos no tratamento dado aos réus do julgamento relacionado à suposta trama golpista. Especialistas em direito militar e defensores dos condenados alertam que o país pode estar diante de um precedente sem paralelo — com impactos profundos não apenas sobre as carreiras militares, mas também sobre o próprio equilíbrio institucional.
Os generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Braga Netto, além do almirante Almir Garnier, foram condenados pelo STF e hoje cumprem pena em instalações militares — como prevê a legislação para oficiais de alta patente enquanto mantêm o posto. No entanto, caso o Superior Tribunal Militar (STM) decida pela perda das patentes, os quatro poderão ser transferidos para presídios comuns, algo inédito na história da Justiça Militar brasileira.
O advogado Fernando Capano, especialista em direito castrense, destaca que a análise do STM não se limita a questões jurídicas tradicionais, mas envolve um julgamento de honra e dignidade militar.
“O juízo de valor aqui é sobre a condição de continuarem dignos de ostentar suas patentes. Se o STM decretar a perda do posto, eles passam a ser ex-militares e ficam sujeitos às mesmas regras de qualquer cidadão condenado. Mas isso abre uma discussão séria sobre proporcionalidade e equidade na aplicação da pena.”
Defesas denunciam excesso e desproporção
Para aliados e integrantes das equipes jurídicas, a possível transferência para presídios comuns representa mais um capítulo de um processo marcado, segundo eles, por punições severas e decisões desproporcionais diante das acusações. Os generais condenados — todos com carreiras de décadas dedicadas às Forças Armadas — enfrentam penas que variam de 19 a 26 anos, mesmo sem histórico de antecedentes criminais e com condutas prestigiadas ao longo de suas trajetórias.
A transferência, avaliam juristas independentes, configuraria um tratamento excepcional e sem precedentes, uma vez que nem mesmo militares de baixa patente perdem imediatamente o direito a instalações diferenciadas antes do trânsito em julgado.
Além disso, a análise do STM só deve ocorrer em 2026. Até lá, os réus têm direito à ampla defesa, o que reforça a controvérsia sobre antecipar discussões que ainda nem chegaram à fase final no tribunal competente.
Relações históricas tornam julgamento ainda mais delicado
O próprio Capano lembra que será a primeira vez que generais de quatro estrelas e um almirante — os mais altos postos das Forças Armadas — serão julgados pelo STM.
“Isso gerará constrangimento natural, porque muitos dos ministros da Corte Militar foram alunos de alguns desses oficiais, especialmente do general Heleno. Há vínculos históricos e profissionais, o que evidencia a excepcionalidade da situação.”
Questões pendentes: pensões, prerrogativas e segurança jurídica
Mesmo se houver a perda da patente, os militares não deixam automaticamente de ter direito à renda — que, por lei, pode ser transferida a familiares. Porém, uma decisão recente do TCU abriu outra frente de insegurança: o tribunal tem deixado de homologar pensões de militares expulsos desde agosto, criando um vácuo jurídico que ainda não foi pacificado.
“O TCU está aplicando interpretação restritiva, e isso pode afetar não só esses casos, mas toda a lógica da proteção familiar prevista no Estatuto dos Militares”, alerta o advogado.
Um processo que exige cautela e respeito às garantias
Para juristas que acompanham o caso, o conjunto das medidas — penas elevadas, prisões prolongadas, risco de perda de patente, possibilidade de transferência para presídios comuns e insegurança sobre pensões — evidencia que o país precisa discutir com seriedade a proporcionalidade das decisões tomadas no calor de um cenário político sensível.
As defesas dos generais argumentam que eventuais punições não podem ultrapassar os limites jurídicos estabelecidos, nem ignorar o papel institucional que os oficiais ocuparam ao longo da vida pública.
Enquanto o tema avança para o STM, cresce a cobrança por um julgamento técnico, equilibrado e livre de pressões externas — algo essencial para garantir justiça sem abrir precedentes que possam, no futuro, ameaçar direitos de qualquer cidadão ou militar brasileiro.
